COMPREENDER BEM O BEM

A "necessidade da esmola" aqui é entendida como algo resultante de dois tipos de atitudes complementares.

De um lado, a necessidade de enfrentar o peso de uma culpa ligada ao sucesso pessoal (em qualquer escala), quem sabe em busca do "direito" à tranquilidade da consciência; ou mesmo a necessidade da afirmação de valores como a solidariedade, o amor, o bem comum. Este é quem adota a atitude de dar a esmola como regra. Do outro lado, a atitude de pedir esmolas atende à necessidades psicológicas mais complexas, talvez associadas à uma resposta pouco esclarecida à uma séria crise da auto estima.

Portanto, o que se entende por "necessidade da esmola" não inclui a fome, o frio ou a doença, e nem a correspondente ingenuidade ou acolhimento. Estes seriam somente os argumentos que trafegam no plano consciente daqueles que fazem crescer esta prática.

Foi a partir desta visão, exposta acima, que se teceu a lógica de toda esta proposta.

Por isso, cessar a "necessidade da esmola" não significa alcançar a utopia de prover a todos a realização de seus próprios desejos. O novo desenho deste objetivo, talvez ainda utópico, é MOTIVAR todos a buscarem as próprias soluções para seguirem em direção a seus desejos. E esta motivação só terá chances de surgir se a esmola não estiver tão disponível, esperando para ser entregue a quem se dispuser a pedí-la.

Que fique claro: o que aqui está sendo chamado de "necessidade da esmola" é o que acontece no contexto da ABORDAGEM DIRETA. Ou seja, alguém que você não conhece aborda diretamente você e alega uma necessidade qualquer, aguardando o seu desembolso imediato de dinheiro ou algum outro bem, como alimento, roupa, remédio e até cigarro.

A "necessidade da esmola" a ser excluída não tem nada a ver com a contribuição de qualquer espécie que você destina a alguma organização ou pessoa, após um levantamento cuidadoso seu, feito no âmbito da sua privacidade, a partir dos seus critérios, até chegar a sua soberana decisão. Este lúcido ato de cidadania é o que, espera-se, substitua a "necessidade de esmola", aparentemente muito mais ligada a compulsões de lado a lado.

Depois desta caracterização de "necessidade da esmola" cabe elencar alguns pontos que devem fazer parte da superação desta prática:

DO TEMPLO AO TRÁFICO

O homem, enquanto ser social, necessita dos seus semelhantes. É natural que, algumas vezes, precise PEDIR algo. E a sociedade humana, a partir da inteligência, criou hábitos e costumes que colocam essas situações esporádicas de pedir no plano da normalidade.

Ao longo da evolução, a sociedade de inteligentes não teve o ordenamento instintivo da natureza para solucionar toda a gama de situações diferentes que surgem a cada instante. E, portanto, além dos hábitos e costumes, foram surgindo instituições: o jeito humano de ser social.

É claro que muitas vezes falhou, ainda falha. Os indivíduos vitimados nessas falhas agiram, no livre arbítrio, em defesa da própria sobrevivência. E a condição humilhante de apelar à comoção de seus pares, levando sua necessidade à súplica, surgiu como alternativa em alguns casos. O sucesso dessas súplicas fez alguém ter a idéia de fraudá-las. E assim a esmola chegou às dimensões de uma corrompida instituição histórica.

É na escalada evolutiva da sociedade que esta proposta vê a necessidade de promover a solidariedade à instituição. O aperfeiçoamento de tantas outras instituições como o Trabalho, a Saúde Pública, a Promoção Social torna descabida a súplica para o atendimento de um indivíduo, num país como o Brasil.

É ponto pacífico nesta proposta que os casos de incapacidade precisam e devem ser atendidos. No entanto, o apêlo pela autêntica solidariedade - que age nessas situações - precisa ser claramente diferenciado da atitude, aparentemente pouco responsável, de dar dinheiro na rua, na porta de casa, para desconhecidos, até para crianças. Esta atitude pode ser até uma maneira de agredir a auto estima de quem pede, mesmo que aquele pedinte se julgue "esperto" por enganar ou coagir as pessoas.

Quem observa cuidadosamente o que acontece no dia a dia pode concluir que a esmola é indispensável ao tráfico do craque. Considerada uma droga barata, o craque tem como um dos pilares do seu "PIB" a esmola que é dada aos jovens e pessoas de meia idade. Muitos e muitos jovens, maltrapilhos, pedindo dinheiro em semáforos, alegando carência extrema, são de famílias de classe média, média alta e até de classe alta. Portanto, não precisariam pedir o necessário para suas necessidades básicas. Pela dependência do craque se sujeitam a qualquer coisa. Por vezes, em tratamento, passam por momentos difíceis sob a força do vício. A base do tratamento é justamente resistir a esses momentos. Mas é na esmola onde os dependentes encontram a facilidade decisiva para a tentação avançar e destruir todo um esforço, para desespero de suas famílias.

IMPORTANTE

As considerações sobre questões psicológicas aqui feitas são fruto da visão de um leigo. O que foi possível observar passou a ser associado naturalmente a um universo limitado de informações e à visões pessoais do comportamento humano. Portanto, as ilações e conclusões apresentadas não tem pretenções de ciência e sequer uma dimensão de tese. É uma sincera visão pessoal que, possivelmente, tem equívocos teóricos. As críticas são bem vindas. Que venham as luzes, pelas mãos de quem as tiver e se propuser a oferecer.